No Dia Mundial da Água, 22 de março, a Central de Movimentos Populares (CMP) e o Fórum Alternativo da Água (FAMA) realizaram uma oficina para refletir o acesso à água e ao saneamento nas periferias, bem como as tarifas cobradas no país, cortes e esgotamento sanitário. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e cerca de 100 milhões não são atendidos por serviço de coleta de esgotos no país.
Logo no início do evento virtual, Raimundo Bonfim, coordenador nacional da CMP, destacou que o Brasil é o país do mundo que possui a maior quantidade de água doce, com 12% do total que existe no planeta. É mais do que todo o continente europeu ou africano, por exemplo, que detêm 7% e 10%, respectivamente. Para ele, o acesso à água é muito desigual no país e o saneamento básico ainda está distante para muita gente.
“A água está ameaçada no Brasil. Nós precisamos lutar por políticas públicas capazes de garantir esse recurso natural para todos e todas. A água faz parte da nossa soberania. A pandemia nos mostrou a importância dela para a sobrevivência humana, não podemos permitir a mercantilização da água porque ela é um direito fundamental”, disse.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 72% de toda a água consumida no Brasil é utilizada no agronegócio. Depois do setor agrícola, vem a atividade industrial, que é responsável por 22% do consumo de água. Somente depois vem o uso doméstico, que é responsável por cerca de 8% de toda a utilização dos recursos hídricos. Os dados foram lembrados na apresentação da socióloga Melayne Macedo Silva, do coletivo de Mulheres da CMP. Ela destaca que o cenário releva que não apenas as casas e os comércios devem economizar na utilização da água, mas também os setores primário e secundário da economia.
Melayne também conta que o acesso a água é ainda mais cruel para as mulheres. Ela aponta que mais de 15 milhões de brasileiras ainda não recebiam água tratada, em 2018, em suas residências. Além disso, há 12 milhões de mulheres que têm acesso à rede geral de distribuição de água, mas a frequência de entrega da água é insatisfatória.
“Muitas mulheres, em sua maioria negras e/ou em situação de extrema pobreza nas mais diversas regiões do mundo, precisam percorrer longas distâncias para encontrar fontes de água potável para a sua sobrevivência e a de sua família. […] Se não fosse a solidariedade dos movimentos populares a situação seria ainda mais grave. A gente vive a pandemia do vírus, a pandemia da fome, e para enfrentar todas elas o acesso universal da água é fundamental”, disse a socióloga.
Sobre os prejuízos que a privatização da água trará ao país, Letícia Oliveira, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), explica que a concessão da energia elétrica à iniciativa privada avançou muito no país nos anos 90. Desde então, os consumidores sofrem com sucessivos aumentos na conta de luz, uma vez que as empresas oferecem serviço para gerar lucro, com preço de mercado e não de custo.
“Nós estamos vivendo agora uma era da privatização do saneamento, do esgotamento sanitário. O novo Marco Regulatório abre a possibilidade de privatização dos serviços públicos de água e esgotos municipais. É muito importante que a gente incida na elaboração dos planos municipais de saneamento básico. Inclusive, com a narrativa de que água não seja privatizada. Precisamos defender um serviço público de qualidade”, disse Letícia.
No final do evento, a engenheira civil Renata de Faria Lima, doutora em Urbanismo, afirmou que o desafio para a universalização da água tem quatro aspectos fundamentais a serem superados. São eles, a questão urbana, ambiental, tecnológica e tarifária. Para ela, o Brasil vive tempos sombrios mesmo tendo a maior rede hídrica do mundo.
“A população está tomando água poluída por conta dos agrotóxicos, da atividade de mineração exagerada, da poluição por conta dos esgotos domésticos que têm poluído as nossas fontes de água. Além disso, a água está ameaçada pela ação descontrolada da indústria de bebidas em geral e a questão do desmatamento. Essa crise que estamos vivendo afeta a disponibilidade de água para o consumo. Se vai melhorar ou piorar, vai depender muito de como vamos atuar na defesa desse importante recurso natural”, pontua Renata.
O evento realizado na página do Facebook da CMP contou com a moderação do biólogo Eduardo Cardoso, da direção nacional da Central de Movimentos Populares. Assista ao vídeo e confira o debate na íntegra: https://www.facebook.com/cmpbrasil/videos/309860224568171
Movimentos populares debatem os desafios para a universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil
