Encontro teve como objetivo de sistematizar pautas de lutas para o Rio+30 e o Fórum Social Pan Amazônico
A Central de Movimentos Populares (CMP) realizou no sábado (30) o Seminário Direito à Cidade, Meio Ambiente e Soberania Alimentar, um evento preparatório para a Conferência Popular pelo Direito à Cidade a ser realizada no próximo mês de junho. Na primeira etapa do encontro, especialistas e lideranças de movimentos, debateram as correlações entre a luta pelo direito à cidade e os temas voltados a defesa do meio ambiente e soberania alimentar. Já no segundo bloco do evento, foram apresentadas experiências de atuação da CMP em diferentes regiões do país. A atividade é preparatória para outros dois grandes eventos que têm relação com o tema que é a Cúpula dos Povos Rio+30 e o Fórum Social Pan Amazônico.
Logo no início do Seminário, que foi realizado de forma virtual com mediação do coordenador estadual da CMP de São Paulo, Hugo Fanton, o coordenador nacional da CMP, Raimundo Bonfim, declarou aos debatedores e internautas que as crises provocadas pelo capitalismo são profundas no Brasil e no mundo. Por essa razão, segundo ele, os movimentos populares precisam avançar com o debate do acesso à água, do saneamento, da comida no prato, do meio ambiente e da moradia. “O desfecho desse nosso encontro será a produção de uma plataforma que a gente possa usar para incidir nos governos com as nossas pautas”.
Ocupação em áreas de proteção mananciais
A arquiteta Ermínia Maricato, urbanista do BR Cidades, foi a primeira a expor no Seminário os prejuízos que a ocupação irregular em áreas de proteção e recuperação dos mananciais trazem ao meio ambiente. Segundo ela, o Brasil vive uma verdadeira tragédia neste sentido, uma vez que água está sendo colocada em risco com a poluição. No entanto, ela destaca que a maior parte da população brasileira não tem acesso a moradia e sem um projeto habitacional para atendê-las, a única alternativa é a ocupação, que em alguns casos ocorrerem em áreas de proteção dos mananciais.
“Essas pessoas não são inimigas do meio ambiente. Elas não querem poluir a nossa água. Elas ocupam esses territórios porque simplesmente não têm onde morar e ninguém mora no ar. Se não tiver uma reforma latifundiária, se não tiver acesso à terra urbanizada, nós não vamos salvar nada nunca. Precisamos usar o solo para impedir a ocupação predatória ao mesmo tempo que você tem uma política habitacional democrática. Para isso, é muito importante a organização da sociedade para a recuperação da democracia no Brasil”, destacou.
Insegurança alimentar
A preocupação da volta da carestia e da fome, em um Brasil com mais de 116 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar e outras 19 milhões passando fome, foi abordada pelo urbanista Tarcísio de Paula Pinto. Durante a sua apresentação, ele chamou atenção para a qualidade da comida que está sendo consumida pela população brasileira. Segundo o especialista, nas décadas de 70 e 80, cerca de 60% dos resíduos urbanos produzidos no país eram orgânicos. Hoje, esse número é de 40%. E isso significa que a população está consumindo muito mais produtos industrializados.
O urbanista relatou ainda que as cidades brasileiras abrigam cada vez mais aterros sanitários privados. De acordo com ele, São Paulo já tem mais de 340 unidades e, depois do Pará e da Amazonas, é o estado que mais emite gases responsáveis pelo efeito estufa. “Essas questões, dos aterros privados e da emissão de gases, têm tudo a ver com o direito à cidade, precisam ser debatidas pelos movimentos populares e temos que lutar para ganhar espaço no plano diretor dos municípios. Infelizmente, o mercado está impondo goela abaixo esses aterros e a vaselina para isso acontecer se chama Ministério Público”.
Ao final de sua apresentação, Tarciso expôs iniciativas de sucesso que colaboram com o combate à fome. Com o apoio dos movimentos populares e com forte atuação das mulheres, diversas cidades já implantaram em seus territórios projetos de hortas comunitárias como, por exemplo, Sete Lagos (MG), Maricá (RJ), Curitiba (PR), Araraquara (SP), entre outras. “São projetos que viraram lei, foram instituídas e governo nenhum mexe mais”, pontuou.
Protagonismo feminino
Mirian Nobre, militante da Marcha Mundial de Mulheres falou, entre diversos temas, sobre o protagonismo das mulheres na produção e preparação dos alimentos saudáveis. Entretanto, por conta de jornadas duplas e, em alguns casos, até triplas, muitas têm o seu tempo sequestrado e acabam sendo empurradas para os ultra processados, com gorduras hidrogenadas e o resultado é o sobrepeso associados a outras comorbidades.
Contudo, Miriam lembrou que durante a pandemia surgiu uma quantidade de iniciativas boas com muitas ações de solidariedade, que acabaram envolvendo a distribuição de comida saudável. “O nosso desafio agora é continuar levando esses alimentos nutritivos para as pessoas de periferia que têm baixa renda. E neste sentido, a gente entende que a ajuda do poder público é fundamental. Por que não uma parceria público-popular para aproximar o campo da cidade? Por que não ter barracas de agricultores em todas as feiras da cidade? Será que a gente não pode criar relações diretas?”, propôs a militante aos presentes.
Mineração x direito à cidade
A violação praticada contra os atingidos por barragens foi pauta da exposição feita pelo geógrafo Yuri Paulino, membro da direção nacional do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). Durante a sua apresentação, ele explicou que o conceito de atingido é ampliado e não se refere apenas a pessoa que foi ou está na zona de influência de determinado empreendimento. Mas sim a todos que estão sendo explorados pelo sistema capitalista.
Segundo Paulino, os empreendimentos têm atuação que interferem no direto à cidade. Eles são responsáveis pela expulsão de muita gente de seus territórios. E como não existe uma política habitacional adequada para as pessoas atingidas por barragens, é muito comum que essa população more nas periferias do país.
“Mineração tem muito a ver com o tema da cidade. E isso tem levado o MAB a se preocupar cada vez mais com a questão urbana. Quando se constrói uma hidrelétrica, por exemplo, a gente tem uma mercantilização do território, que tem colocado cada vez mais a população brasileira em uma condição de miséria. Eles produzem uma mercadoria, que é vendida, e todas as garantias dessa venda é feita em cima da exploração da população. No caso do setor elétrico, o trabalhador brasileiro paga 25 vezes mais do que os setores industriais que são subsidiados. Todos os riscos dessa venda são colocados na conta de luz do consumidor cativo, que somos nós, explicou.
Para o geógrafo Yuri Paulino, a lógica do capitalismo não permite que a população brasileira tenha direito à cidade. Ele destaca que esse modelo precisa ser combatido por meio da luta popular embasada em mudanças profundas da sociedade.
Experiências CMP
Após o debate com especialistas na primeira etapa do seminário, militantes e dirigentes da CMP fizeram exposições de projetos que levam trabalho, renda e formação profissional, além de alimentos saudáveis e ações de conscientização ambiental, a diversas regiões do país. Em sua maioria, as experiências surgiram no contexto da pandemia e a expectativa é de expandir cada vez mais alternativas para a luta contra o capitalismo que está levando o povo brasileiro à miséria.
Raimundo Bonfim ressalta que por meio da organização dos movimentos populares muitas famílias tiveram acesso a alimentação saudável com a implantação, por exemplo, de hortas e cozinha comunitária. Nos últimos dois anos, a CMP distribuiu 320 toneladas de alimentos em todo o país. Outras iniciativas da CMP como fábrica de tijolos ecológicos, curso profissionalizantes, também viraram realidade em comunidades e estão levando solidariedade àqueles que mais precisam.
“Esse estímulo de organização continuará acontecendo mesmo em situações que não sejam de crise. Nós temos que conjugar isso de lavar a comida no prato das pessoas mais vulneráveis”, finaliza.