Por Geyse Anne da Silva*
“Ah, comigo o mundo vai modificar-se.
Não gosto do mundo como ele é.”
Carolina Maria de Jesus
“O momento que atravessamos não tem precedentes na história recente. A humanidade vem conhecendo o inimigo e suas próprias fragilidades durante a batalha. A comunidade científica não tem, até o momento, uma saída a médio prazo para superar essa situação. A economia é cada vez mais controlada e a serviço do capital financeiro e das corporações transnacionais que atuam como parasitas sobre nossas riquezas. A crise provocada por essa pandemia expõe a crueldade e a insensatez do projeto neoliberal e neofascista que hoje dirige a nação e os seus efeitos, principalmente sobre a classe trabalhadora e os mais pobres”. Esse é o primeiro parágrafo da carta dos movimentos sociais para o Governador do Ceará, Camilo Santana e apresenta de forma nítida o que estamos passando com essa pandemia.
O Ceará é um dos estados mais afetados pela covid-19. Portanto as ações governamentais precisarão ser imediatas como o isenção do pagamento da tarifa de água que beneficiará 338 mil famílias, o pagamento da tarifa de energia por parte do governo atingirá 534 mil casas, auxílio alimentação de 80 reais para estudantes da rede pública, entre tantas outras ações.
E o movimento popular onde fica nesse cenário?
Aprendemos desde cedo um valor importantíssimo na militância que é a solidariedade. Com o trabalho de base nas periferias vivenciamos a necessidade da coletividade, pois no sistema capitalista que domina a economia e as relações sociais, a competição e o individualismo acabam sendo valores que temos que enfrentar com muito diálogo, empatia e formação política.
Por isso as primeiras ações práticas para enfrentar a pandemia nas periferias vieram do movimento popular. Rapidamente manifestos em defesa das favelas, campanhas de arrecadação financeira, de alimentos e de materiais de higiene pessoal foram divulgados com o objetivo de amenizar as dificuldades e a fome que já é presente nas comunidades.
O Manifesto das favelas sobre o novo coronavirus diz: “Outra preocupação está nos impactos do isolamento de milhões de trabalhadores e trabalhadoras que estão na informalidade. São ambulantes que, literalmente, trabalham pela manhã para alimentar suas famílias à noite. Quase 39 milhões de pessoas estão na condição de informais, 14 milhões encontram-se desempregadas e 29 milhões estão empregadas, ganhando até 3 salários mínimos.” Por isso que os movimentos populares cobraram ações do governo federal como o auxílio emergencial.
Os movimentos populares e de luta por moradia da Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo lançaram uma plataforma VAMOS PRECISAR DE TODO MUNDO com o objetivo de difundir as ações de solidariedade Brasil a fora.
No Ceará, nós da Central dos Movimentos Populares participamos da campanha “Periferia contra o coronavirus” da Frente Brasil Popular. E em abril lançamos o Fundo Solidário para as periferias de Fortaleza que na primeira etapa alcançou 120 famílias e vamos entrar na segunda etapa do Fundo ampliando nossa atuação. Teremos uma campanha chamada “Periferia Resiste” com a continuidade do Fundo Solidário e contaremos com ações de comunicação comunitária, assistência jurídica e ações de conscientização e enfrentamento à violência contra as mulheres.
Contudo, vivemos e denunciamos a nossa realidade nas periferias. Em recente pesquisa do Instituto Data Favela, mais de 70% dos trabalhadores que vivem nas comunidades defendem o isolamento social, mas nos faltam condições básicas, pois não temos moradia digna, uma casa pequena para muitas pessoas, falta água nas comunidades, a dependência química impregnada na população mais vulneráveis, fome, trabalho informal, falta de direitos trabalhistas e o desemprego são elementos cruciais para compreender a dificuldade das periferias em ficar de quarentena.
O relatório O Brasil com baixa imunidade – Balanço do Orçamento Geral da União 2019, produzido pelo Inesc, tem por “objetivo mostrar como as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95, conhecida como teto de gastos, reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável da pandemia do novo coronavírus. O relatório mostra que, de 2014 até o ano passado, o constante esforço fiscal da União resultou em cortes de 28,9% nas despesas discricionárias dos programas sociais do País. Só no período entre 2018 e 2019, a queda nos gastos sociais chegou a 8,6%.”
Por isso apontamos a necessidade de um Estado atuante na eliminação das desigualdades raciais e sociais no Brasil com políticas públicas que garantam proteção social, direitos humanos e renda básica.
Fora Bolsonaro, Fora Mourão e Eleição Direta já!
Juventudes e perspectivas
“O Brasil precisa ser dirigido por alguém que já passou fome”
Carolina Maria de Jesus.
Pensar e analisar a juventude brasileira é compreender que temos diversos perfis dentro dessa etapa da vida. Sabemos que nossos passos e luta veem de longe, ao mesmo tempo é necessário lembrar que os adultos de hoje já foram jovens e que os jovens de hoje serão adultos e mais as/os velhas/os de amanhã.
Nessa perspectiva, as juventudes do meio popular tem uma responsabilidade muito grande nessa conjuntura, pois dela se espera a disposição de construir as ações de trabalho de base, distribuição dos materiais arrecadados e o permanente debate sobre as transformações que devemos fazer na sociedade brasileira.
A pandemia do coronavírus tem deixado nítido o sistema excludente que vivemos, onde os ricos têm privilégios e nós pobres passamos por dificuldades. O ingresso de jovens das periferias nas universidade precisa ser força motriz nessa transformação, já nos disse Nelson Mandela “a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”, pois a nossa presença lá é um direito que há muito tempo foi negado à população negra e pobre desse país. Por isso, não podemos nos iludir! A nossa tarefa agora é montar pequenos grupos de debates e discutir as problemáticas vivenciadas em nossos territórios, de forma que fomente ajuda jurídica, assistência social e de comunicação para os movimentos populares.
Tal qual o ensino superior vem sendo desbravado por nós, antes de chegar nele passamos pela escola pública e sabemos bem as dificuldades que lá encontramos. A intenção do (des)governo Bolsonaro em seu início era literalmente acabar com a escola pública e assim cada criança/adolescente estudaria em casa. Nós dos movimentos populares nunca defendemos essa proposta, assim o isolamento social veio reafirmar que estávamos certos, pois nossas crianças/adolescentes estão passando por diversas limitações. Começando pela não alfabetização de muitos adultos o que dificulta na hora de ensinar, segundo a falta de notebook e internet de banda larga já que as atividades são onlines. Portanto a nossa luta por uma educação gratuita, de qualidade e que caminhe lado a lado com o avanço tecnológico deve ser bandeira das juventudes do meio popular.
Mas também temos outros problemas pertinentes da nossa geração que ao ficar em casa se agravam como a LGBTfobia em muitas casas brasileiras. Hoje temos redes de apoio compostas por amigos e casas de apoio. Porém o que precisamos é do respeito em relação à nossa orientação sexual e de gênero por parte dos familiares e esse recado é para cada jovem e adulto que ler esse texto. É urgente acabar com a LGBTfobia nos nossos territórios. O ato de amar é libertador e um direito humano.
Libertador também é nossa produção artística/cultural que escancara toda revolta que sentimos nessa sociedade. Hoje não podemos ganhar nosso dinheiro com as poesias no transporte público ou vendendo nossa produção literária marginal, mas estamos usando como podemos as redes sociais para continuar a produzir e no fret das lutas por editais que contemplem a arte periférica. Afinal, sem fazer arte o que seria de nós e da humanidade?
Do mesmo jeito que se nós não estivermos vivos, o que será de nós? O extermínio da juventude negra e pobre continua nas periferias. O conflitos entre os grupos e a polícia continua e não podemos ficar calados com tanto sangue nosso no chão. Assim como gritamos em luta por políticas públicas, essa mesma voz precisa gritar por nossa vidas. Esse é um debate essencial para se entender as consequências de territórios sem uma escola de qualidade, que combata o racismo, que construa marcos civilizados de ensino e também desconstrua os estigmas construídos pelas mídias em relação aos corpos negros que moram nas periferias.
Enfim, falar de juventude negra e pobre, e suas perspectivas é afirmar nossos lugares na sociedade, nosso pensar e agir frente a esse momento de isolamento social. Posso não ter conseguido expressar todos os anseios, espaços, medos e vontades da juventude. Mas por favor, entendam essa contribuição também como um desabafo e um grito de alerta. Uma opinião certeira pautada na vivência de uma jovem preta.
A nossa geração de jovens tem um peso grande para carregar, pois estará nas nossas mãos a missão de conscientizar uma geração inteira. A falta de crítica ao sistema capitalista junto com os preconceitos atribuídos aos movimentos sociais, tem afastando o jovem da atuação militante, a criminalização da política e o estado mínimo são idéias que permeiam parte da juventude pobre desse país. Por isso nós não podemos reforçar essa contradição, é necessário fazer trabalho de base e trazer as/os jovens para as lutas do agora e do amanhã. Pra nós a defesa de políticas públicas com investimentos é a condição/estado de direito de um futuro melhor para os mais novos.
E paro por aqui pra falar da esperança que tenho em nós, jovens dos movimentos populares, pois temos que construir o caminho para as grandes lutas que nos esperam quando essa pandemia passar. É verdade que as dificuldades serão enormes, que muitos de nós estaremos cansados, mas não podemos abandonar o barco da esperança!
Olhem nossas avós, pais, as/os adultos dirigentes dos movimentos populares. Elas/es até hoje respiram luta. Temos que ter essas trajetórias como exemplo e construir as nossas. Afinal, sabemos que a ação militante é que muda a história!
“Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir.
Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade?”
Rosa Luxemburgo
*Geyse Anne da Silva, jovem negra de periferia, estudante em Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades na UNILAB e compõe a executiva da CMP Ceará.